Blog | 25 Jan, 2024

Outras medidas espaciais eficazes de conservação no Brasil: conclusões de uma conversa com o Dr. Stephen Woodley

Após uma reunião com o Vice-Presidente de Ciência e Biodiversidade da Comissão Mundial de Áreas Protegidas da IUCN na Cidade do Cabo, África do Sul, gostaria de apresentar as principais conclusões de sua apresentação, na qual ele ilustrou a história, o contexto e as características das OMEC e inspirou sua regulamentação no Brasil. 

content hero image
Photo: ©Luciano Régis Cardoso (EAGL-Brasil) / UICN América del Sur

Vivemos em uma nova era na qual as modificações humanas do meio ambiente estão confrontando os processos geofísicos naturais, levando à perda de biodiversidade, à depredação dos serviços do ecossistema e à poluição da água, do solo e da atmosfera. O Antropoceno está batendo à nossa porta e nos chocando com a realidade indiscutível da crise climática, como o reconhecimento científico de que 2023 foi o ano mais quente dos últimos 100.000 anos¹. 

Novas perspectivas devem ser desenvolvidas para integrar soluções para os principais fatores de extinção de espécies, como o rompimento de estruturas ecológicas e o isolamento de populações. A criação de mais unidades de conservação, sem a devida atenção à eficácia de sua gestão e ao envolvimento das pessoas diretamente afetadas, não é suficiente para deter a perda de biodiversidade. Da mesma forma, a gestão isolada das unidades de conservação, sem uma visão sistêmica, diminui a resiliência a fenômenos como mudanças climáticas, espécies invasoras ou atividades humanas degradantes. 

Portanto, é necessário ir além das áreas protegidas para conservar a biodiversidade. Outras medidas eficazes de conservação espacial, comumente conhecidas pelo acrônimo OMEC, ou mesmo áreas conservadas, podem ser importantes aliadas. Introduzidas pela primeira vez na Estrutura Global de Biodiversidade estabelecida na COP-10 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) no Japão em 2010, elas geraram um debate acalorado sobre seu potencial e seus riscos. As OMEC também foram levadas em consideração na atual meta 3 do novo Marco Global de Biodiversidade estabelecida na COP-15 de Kunming-Montreal, que propõe a conservação e o manejo eficaz de 30% da área terrestre do mundo até 2030 por meio de áreas protegidas e conservadas, com reconhecimento especial para territórios indígenas e tradicionais. 

A CDB define OMEC como: “Uma área geograficamente definida que não seja uma área protegida (stricto sensu), que seja governada e gerida de modo a alcançar resultados positivos e sustentáveis a longo prazo para a conservação in situ da biodiversidade, com funções e serviços ecossistêmicos associados e, quando aplicável, com valores culturais, espirituais, socioeconômicos e outros valores localmente relevantes” ². 

No Brasil, as possibilidades que as OMEC trazem para a conservação da biodiversidade são celebradas por alguns e questionadas por outros. Isso porque, por um lado, elas podem reforçar a visão sistêmica das áreas dedicadas à conservação, possibilitando assim maior conectividade e atraindo novos parceiros. Mas, por outro lado, por ser um conceito tão amplo, pode certificar áreas que não cumprem de fato seu papel na conservação da biodiversidade, tornando-se engodos de greenwashing. Os povos indígenas e comunidades tradicionais, por exemplo, têm demonstrado uma legítima preocupação já que as OMEC colocariam num mesmo bojo os territórios conservados por seus modos de vida, as áreas de empresas privadas historicamente poluidoras ou áreas militares restritas. 

O último Seminário Brasileiro e Encontro Latino-Americano sobre Áreas Protegidas e Inclusão Social, que aconteceu em novembro de 2023 em São Paulo, sediou um evento paralelo para discutir as percepções da sociedade civil e as perspectivas de regulamentação pelo governo brasileiro³. Diversas organizações estão trabalhando no tema e publicações sobre as possíveis contribuições das OMEC para o Brasil estão sendo produzidas 4. 

O Fórum Global da Lista Verde também foi realizado na Cidade do Cabo (África do Sul), de 11 a 13 de dezembro de 2023, por ocasião da primeira revisão estratégica anual do Programa da Lista Verde da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). No âmbito desse evento, Stephen Woodley, ciente das dúvidas levantadas pelo reconhecimento dessas áreas, fez uma apresentação sobre as OMEC. 

O Dr. Stephen Woodley é um ecologista canadense com mais de 30 anos de experiência em conservação da natureza.  Em 2011, começou a trabalhar como consultor sênior do Programa Global de Áreas Protegidas da IUCN e atualmente é vice-presidente de Ciência e Biodiversidade da Comissão Mundial de Áreas Protegidas (CMAP) da IUCN. Ele é reconhecido como uma das maiores autoridades do mundo em áreas protegidas e conservadas. Sua apresentação foi tão esclarecedora que motivou a redação deste texto, para compartilhar as informações e impressões oferecidas durante a reunião. 

As OMEC foram registradas no Banco de Dados Mundial sobre Outras Medidas Eficazes de Conservação Baseadas em Áreas desde 2019, semelhante às áreas protegidas no Banco de Dados Mundial sobre Áreas Protegidas desde 1981. Ambos os bancos de dados são gerenciados pelo Centro Mundial de Monitoramento da Conservação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela CMAP5. Territórios e áreas conservadas por povos indígenas e comunidades locais, ou comumente referidos na política internacional como TICCAs, também têm seu próprio banco de dados, o Registro TICCA6. A existência desses três bancos de dados, com diferentes critérios de registro baseados em conceituações estabelecidas, resolve, pelo menos até certo ponto, a questão de manter as áreas de conservação, embora com tantas formas diferentes de governança e gestão, dentro da mesma sigla. 

Conhecer a história dos espaços de negociação internacional, como as COPs da CDB, que avançaram na adoção dessas categorias, ajuda a reduzir as dúvidas, como explicou muito bem o Dr. Woodley, que esteve tanto em Aichi (Japão) quanto em Montreal. Segundo ele, as OMEC foram o resultado de uma demanda de representantes de povos indígenas e comunidades locais pelo reconhecimento de outras formas de conservação em áreas que não as governamentais, como seus territórios de vida. O texto final da Meta 11 de Aichi não deu ênfase suficiente a esses territórios, e agora eles estão mais explícitos na Meta 3 de Kunming-Montreal, conforme mencionado acima. 

Outros países da região da América Latina já regulamentaram o registro de suas OMEC. A Colômbia, por exemplo, foi pioneira na criação de um procedimento para a identificação, classificação e registro de OMEC em 2020. Posteriormente, o Equador também publicou seu regulamento com a distinção de incluir em seus requisitos para compensar as OMEC a orientação para os princípios de cooperação para a gestão de recursos naturais e a participação das partes interessadas diretamente envolvidas na tomada de decisões. O Peru também regulamentou o registro das OMEC, com a diferença de incluir em sua resolução ministerial um capítulo sobre "Divulgação e socialização da importância das OMEC", reconhecendo a importância da comunicação para o fortalecimento dessas áreas. A iniciativa peruana de ter um capítulo sobre comunicação está de acordo com o que foi discutido durante a reunião com o Dr. Woodley sobre a necessidade de as OMEC serem valorizadas pelos diferentes setores da sociedade como instrumentos para a conservação da biodiversidade. 

Também é importante ressaltar a necessidade de uma visão abrangente dos quatro objetivos e das 23 metas do novo Marco Global de Biodiversidade. Eles são complementares e abordam questões relacionadas à redução das ameaças à biodiversidade, ao atendimento das necessidades das pessoas por meio do uso sustentável e do compartilhamento de benefícios, e às ferramentas e soluções para implementação e integração. Essa visão integrativa exige políticas intersetoriais, ciência interdisciplinar e o envolvimento e a garantia dos direitos humanos e específicos dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e da sociedade em geral. 

O último argumento convincente para mim a favor do fortalecimento do conceito de OMEC e de sua adoção pelo Brasil vem da resposta a uma pergunta aparentemente simples: as OMEC são reconhecidas ou criadas? De acordo com o Dr. Woodley, é necessário algum tipo de mecanismo de gestão que produza resultados de conservação para que uma área seja considerada uma OMEC. Portanto, não é suficiente que uma área exista por si só, mas ela deve ter um sistema de diagnóstico, planejamento, gestão e monitoramento de resultados para ser considerada uma OMEC. Incentivar que essas áreas, essenciais para a biodiversidade, mas que muitas vezes não têm a conservação como objetivo principal, sejam fortalecidas como estratégias para um sistema de áreas conectadas, eficazes e equitativas é a grande novidade. 

Aplicadas ao Brasil, as OMEC podem reconhecer e incluir no sistema áreas relevantes para a biodiversidade que antes não eram levadas em consideração no planejamento regional. Áreas de Proteção Permanente, Reservas Legais, áreas privadas, áreas pertencentes às forças armadas, áreas de interstício de mosaicos de áreas protegidas e corredores ecológicos, territórios de acordos de pesca e outros podem ser incluídas como OMEC, desde que atendam aos critérios, sendo o principal deles o de contribuir efetivamente para a conservação de forma socialmente justa. O Padrão Lista Verde deve ser considerado para a avaliação desse critério, por considerar diversos aspectos da governança, desenho, planejamento e gestão exemplar destes espaços. 

Referencias:
¹ 2023 was world's hottest year on record, EU scientists confirm (https://www.reuters.com/business/environment/2023-was-worlds-hottest-year-record-eu-scientists-confirm-2024-01-09/
² Reconhecer e relatar outras medidas efetivas de conservação baseadas em área (https://portals.iucn.org/library/sites/library/files/documents/PATRS-003-Pt.pdf
³ OMEC: Aprendizados, avanços e perspectivas na América Latina (https://www.youtube.com/watch?v=PhL4ZHiK97I&t=286s
4 Estudo traz recomendações para Brasil adotar novos mecanismos que podem fortalecer papel de comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade (https://www.tnc.org.br/conecte-se/comunicacao/artigos-e-estudos/omecs-no-brasil/
5 Protected Planet (https://www.protectedplanet.net
6 Registro Global TICCA (https://www.iccaregistry.org/

 

 

Disclaimer
Opinions expressed in posts featured on any Crossroads or other blogs and in related comments are those of the authors and do not necessarily reflect the opinions of IUCN or a consensus of its Member organisations.

IUCN moderates comments and reserves the right to remove posts that are deemed inappropriate, commercial in nature or unrelated to blog posts.