Story | 06 Dez, 2021

Rio Doce: uma governança que vá além da reparação

As instituições existentes não estavam preparadas para responder ao desastre provocado pelo rompimento da barragem da Samarco*

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Photo: Ricardo Moraes/REUTERS - 10 NOV 2015

Christianne Maroun, Jonathan Renshaw e Luis E. Sánchez

05 de Dezembro de 2021

Há seis anos, a barragem de rejeitos de mineração do complexo da Samarco, em Mariana, rompeu. A avalanche de lama atingiu a bacia do Rio Doce percorrendo 670 km até chegar ao oceano Atlântico. O rompimento resultou na morte de 19 pessoas, destruição de vilas e da vegetação ribeirinha, perda de fauna silvestre, poluição do solo e da água, e afetou atividades econômicas essenciais, inclusive numa área ampla da costa capixaba. A resposta a um desastre destas proporções é tarefa complexa para a qual as instituições existentes não estavam preparadas.

O desastre motivou a criação de um sistema temporário e complexo de governança para gerir os recursos compensatórios e definir as ações necessárias para reparar e compensar os danos ambientais e socioeconômicos. O TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta) firmado pelas autoridades junto às empresas acionistas levou à criação da Fundação Renova - responsável pela execução dos programas de reparação - e do CIF (Comitê Interfederativo) – órgão colegiado composto por representantes de diversos órgãos públicos dos dois estados atingidos e da União, cuja função é validar o escopo, monitorar e avaliar a execução das atividades. Essa articulação interinstitucional facilitou a coordenação entre equipes técnicas e órgãos governamentais, e o trabalho das partes envolvidas tem contribuído para a geração de grande volume de informação sobre o meio ambiente e características econômicas e sociais da região.

Apesar dos avanços, o sistema é frequentemente alvo de críticas, principalmente com relação aos impasses no processo de indenização, à lentidão na entrega dos reassentamentos e dúvidas quanto aos impactos na saúde e à qualidade da água, bem como a remediação e restauração das áreas afetadas. Ademais, o sistema falha em contemplar o envolvimento efetivo da população atingida na tomada de decisões e na busca e implementação de uma visão integrada do território.

A complexidade e a natureza contraditória dos processos decisórios têm ofuscado as prioridades da restauração. O caráter transitório do sistema requer clareza sobre a garantia dos recursos financeiros, humanos e de infraestrutura necessários para uma governança de longo prazo capaz de assegurar a viabilidade e sustentabilidade dos investimentos que foram feitos.

SISTEMA TEMPORÁRIO E COMPLEXO FOI CRIADO PARA GERIR RECURSOS E DEFINIR AÇÕES NECESSÁRIAS PARA REPARAR E COMPENSAR DANOS AMBIENTAIS E SOCIOECONÔMICOS DO DESASTRE

O TTAC está em renegociação. E esse é o momento de envolver todas as partes interessadas para discutir um modelo de governança que seja centrado em três eixos: engajamento, participação social e promoção de sinergias entre as partes; comunicação eficaz e transparente; e recursos financeiros adequados para implementar as soluções que irão assegurar a continuidade dos esforços e garantir a melhoria contínua das condições sociais, econômicas e ambientais da bacia.

Se, por um lado, o sistema CIF-Renova ainda não conseguiu garantir a participação social efetiva, a repactuação em discussão oferece uma oportunidade para fortalecer as estruturas de governança permanentes, como o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, e promover maior integração entre todas as partes envolvidas. É tempo de encorajar maior colaboração interinstitucional. Isto exigirá o compromisso das autoridades governamentais, da sociedade civil e das comunidades afetadas. A transparência é essencial para garantir que as negociações sobre o futuro da bacia do Rio Doce sejam justas e consensuais.

A partir de um olhar técnico e independente, o Painel do Rio Doce entende a repactuação em andamento como uma oportunidade de compreender melhor as necessidades da população afetada e planejar a transição para os programas que terão que ser incorporados pelas instituições relevantes tão logo o trabalho da Fundação Renova tenha sido concluído. Uma vez catalogadas e tornadas públicas, as informações e documentos gerados no processo de reparação facilitarão o acesso ao conhecimento necessário para uma tomada de decisão devidamente informada.

Com isso, será possível garantir a centralidade da população afetada na construção de uma visão compartilhada para o futuro, tendo como base de planejamento não apenas a bacia hidrográfica, mas também o estuário e a região costeira.

Christianne Maroun é especialista em governança ambiental e mudanças climáticas e sustentabilidade. Christianne é professora de engenharia ambiental da PUC-Rio e do MBA em Gestão Ambiental e Sustentabilidade da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Jonathan Renshaw é PhD em antropologia social, especialista em desenvolvimento social e ex-líder em salvaguardas sociais no Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Luis E. Sánchez é professor de engenharia de minas na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

 

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*Este artigo foi originalmente publicado no Nexo Jornal em 05 de dezembro de 2021.